Um idoso em casa, sozinho, que necessita de amparo; pessoas com deficiência (PcD) que têm dificuldades em realizar tarefas do dia a dia; mulheres que se veem obrigadas a abandonar o mercado de trabalho frente à necessidade de ficar em casa cuidando dos filhos ou dos pais. Contratar cuidadores em tempo integral, ou mesmo parcial, é caro, e poucas famílias têm condições para isso. A desigualdade se expressa, então, de maneiras diversas: a queda de um idoso que poderia ser evitada se houvesse alguém com ele; a família de uma PcD que se vê obrigada a um terceiro turno de trabalho; ou uma mulher que, depois de um divórcio, se vê sem renda, já que havia abandonado a carreira para cuidar dos filhos enquanto o marido seguia com a sua vida profissional. São várias situações que expressam novas necessidades de uma população que envelhece e de uma sociedade que não tem provisões para apoiar quem precisa de cuidado e também de quem cuida.
O trabalho do cuidado é estrutural na sociedade. Ainda assim, estava invisibilizado – até que, em 2023, foi criada no MDS a Secretaria Nacional da Política de Cuidados e da Família, com o objetivo de estudar e enfrentar a questão. Após um processo criterioso de discussão e de participação social, criou-se a Política Nacional de Cuidados, lei desde 2024. Sua missão é garantir os direitos tanto das pessoas que necessitam de cuidados quanto das que cuidam (profissionalmente ou não), com especial atenção às desigualdades de gênero, raça, etnia e territoriais, além de promover as mudanças necessárias para uma divisão mais igualitária do trabalho de cuidados dentro das famílias e entre a comunidade, o Estado e o setor privado.
Esta intersecção entre gênero e raça é primordial: historicamente, coube às mulheres – e com maior ênfase às mulheres negras – as tarefas de cuidado, desde o preparo de alimentos e a organização do lar até a criação de filhos e filhas (nem sempre os seus) e cuidado com os mais velhos. O que a lei faz é colocar as políticas de Estado a favor dessas pessoas, reconhecendo o peso e a importância das tarefas que executam e compartilhando responsabilidades.
Para termos noção da dimensão desse “mercado do cuidado”, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) estima, baseada em dados de dez países latino-americanos, que a contribuição econômica do trabalho não-remunerado das mulheres varie entre 15,9% e 25,3% dos PIBs nacionais. No Brasil, estima-se que 1 em cada 4 postos de trabalho estejam vinculados ao cuidado, o que apenas ressalta a importância socioeconômica de um setor que era, até muito pouco tempo, ignorado. Também a questão etária é relevante aqui, especialmente em um país que está envelhecendo rapidamente. A população de 60 anos ou mais deverá duplicar no Brasil nos próximos 20 anos, ao passo que a população de 80 anos ou mais deverá triplicar no mesmo período. Pensar no cuidado, portanto, mostra-se uma urgência coletiva.
Sancionada a lei, o próximo passo é estruturar o Plano Nacional de Cuidados. Será ele o responsável por colocar em prática o que está no papel, por meio de ações intersetoriais que integrem as áreas de assistência social, saúde, educação, trabalho e renda, cultura, esportes, mobilidade, previdência social, direitos humanos, políticas para as mulheres, políticas para a igualdade racial, políticas para os povos indígenas e para as comunidades tradicionais, desenvolvimento agrário e agricultura familiar, entre outras. Como se vê, cuidar é uma tarefa dinâmica e multidimensional, que não deve pesar sobre uma só pessoa – muito menos um só gênero –, posto que ser cuidado é um direito de todas e todos.
Veja abaixo como a Política Nacional de Cuidados está sendo estruturada e clique para saber mais.