Josué de Castro já dizia, em 1946, no seu clássico Geografia da Fome, que a fome não deve ser tratada como fenômeno meramente biológico ou natural: a fome é política. Seis décadas se passaram até que, em 2003, o Brasil enfim colocou o combate à fome como prioridade na agenda nacional. Daquele ano em diante – apesar de algumas interrupções –, articulou-se uma vasta rede de políticas públicas que envolvia, de forma integrada e com participação social, a ampliação da oferta de alimentos; o crescimento da renda dos mais pobres, com o aumento real do salário mínimo; a geração de empregos; além de programas federais de acesso à renda.
Em 2006, o Brasil passou a ter uma Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) e firmou um conceito estratégico para o desenvolvimento de políticas públicas na área. Passou a tratar a segurança alimentar e nutricional como o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Posteriormente, em 2010, após ampla mobilização social, o direito humano à alimentação adequada foi incluído na Constituição.
Como consequência, o Brasil deixou o Mapa da Fome da ONU em 2014, tendo registrado 82% de queda na insegurança alimentar grave entre 2002 e 2013. Entre as iniciativas que permitiram essa conquista, destacam-se o Programa Bolsa Família (PBF), e a valorização acima da inflação do salário mínimo. Também foram vitais o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a ampliação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que levam comida saudável, com origem na agricultura familiar, até as escolas, as entidades socioassistenciais e as mesas dos brasileiros. Tudo isso com ampla participação social, por meio do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Em 2016, porém, este processo foi interrompido; naquele ano teve início uma desestruturação das políticas públicas brasileiras, cujo marco foi a Emenda Constitucional nº 95, que instituiu o “Teto de Gastos”. O resultado foi o retorno do Brasil ao Mapa da Fome. Em 2021, 19 milhões de brasileiros passavam fome – um em cada 11 –, situação agravada pela pandemia de covid-19.
Apenas em 2023 as políticas de combate à fome voltaram à pauta. A principal estratégia do governo federal para enfrentar, outra vez, a insegurança alimentar no País foi montar o Plano Brasil Sem Fome (BSF), lançado em 2023, cuja coordenação cabe a 24 ministérios que integram a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan).
Com o retorno do combate à fome ao centro da agenda de governo, os investimentos voltaram a crescer; programas sociais que já haviam obtido resultados positivos foram retomados e novos foram criados, focalizados em públicos específicos: mulheres, povos indígenas, quilombolas, população em situação de rua. Além disso, deu-se um olhar especial às áreas urbanas, onde se concentram desertos e pântanos alimentares (regiões onde o acesso a alimentos saudáveis é limitado ou inexistente). Em 2022, 81% dos brasileiros em situação grave de insegurança alimentar viviam em cidades, o que justifica a atenção redobrada nesses territórios.
Ações coordenadas interministeriais também têm dado resultado. Um exemplo é o lançamento do Programa Quintais Produtivos, parceria entre o MDS e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. O programa, voltado especificamente para mulheres inscritas no Cadastro Único, busca promover a autonomia econômica das mulheres rurais e ampliar o acesso às políticas públicas de apoio à produção e comercialização de alimentos e a tecnologias sociais de acesso à água potável, como as cisternas. Outra iniciativa importante é a integração de ações entre o SISAN, o SUAS e o SUS para identificar pessoas em insegurança alimentar e encaminhá-las para serviços e para acompanhamento.
Já em 2024, implementou-se a Nova Cesta Básica de Alimentos, que passa a ser composta por alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários. Isso significa alimentos mais nutritivos nas mesas das famílias. Além disso, com a Nova Política Tributária, alimentos como carne, peixe, frango, arroz e feijão terão imposto zero a partir de 2027, incentivando que comida de verdade chegue nas casas dos brasileiros.
E, para comprovar que a fome é mesmo questão política, a reconstrução da rede de políticas de combate à fome logo trouxe resultados: segundo a FAO/ONU, a insegurança alimentar severa, que afligia 17,2 milhões de pessoas em 2022 no Brasil, passou a afetar 2,5 milhões de pessoas em 2023 – uma impressionante queda de 85%. Esse é o caminho a ser trilhado até, novamente, o Brasil sair do Mapa da Fome e, assim, inspirar o mundo outra vez com experiências exitosas e iniciativas como a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada enquanto o País presidiu o G20. Afinal, se a fome é política, o seu combate também é.
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